Centro de Estudos Ornitológicos

Bol. CEO 7:10-14 Julho de 1990

ARBORIZAÇÃO E AVIFAUNA URBANA EM CIDADES DO INTERIOR PAULISTA

Maria Martha Argel de Oliveira *

Centro de Estudos Ornitológicos

O estudo da fauna urbana, em especial de aves, é bastante enfatizado em países europeus e foi iniciado a poucos anos no Brasil, estando ainda em seus primeiros estágios. Em algumas grandes cidades foram feitos levantamentos, como em Porto Alegre (RUSZCZYK e al., 1987; VOSS & SANDER, 1984), São Paulo (ARGEL-DE-OLIVEIRA, 1987), Ri de Janeiro (SICK & PABST, 1968), Belo Horizonte (CARNEVLLI & RIGUEIRA, 1982), mas a quantidade de informações disponíveis é pequena, não permitindo ainda, por exemplo, uma exata avaliação da importância que as áreas verdes tem para a preservação de espécies amplamente distribuídas, no passado, na região, e no estabelecimento de novas espécies. Não se tem dados comparativos que permitam verificar a eficiência, no que se refere à fixação de espécies animais nativas, de vegetações artificiais (gramados sempre aparados, jardins em que abundam espécies exóticas, grandes canteiros formados por poucas espécies vegetais) e das arborização de ruas, quando comparadas com formações naturais.

Uma linha de pesquisa que fornece subsídios para a elucidação de tal questão é o estudo direcionado, espécie por espécie, do relacionamento planta/animal no ambiente urbano. O trabalho que SANCHOTENE (1985) desenvolveu em Porto Alegre é um bom exemplo. Nele, a autora lista e analisa as plantas nativas utilizadas na arborização de rua daquela cidade que, além de serem adequadas do ponto de vista urbanístico, fornecem alimento à avifauna, na forma de frutos. Paralelamente apresenta dados, obtidos em literatura, das espécies de aves que se alimentam em cada uma dessas plantas, de forma a ressaltar a importância de cada uma das espécies vegetais na atração da fauna.

Ao percorrer diversas cidades do interior paulista (N=34), pude constatar que, com poucas exceções, é frequente que a arborização urbana apresente as seguintes características:

inexistência de grandes áreas verdes contínuas no interior da mancha urbana.

presença de uma ou mais praças, em geral de localização bastante central, com movimentação humana intensa; a vegetação compõe-se principalmente de espécies exóticas, virtualmente sem atrativo para avifauna nativa.

arborização de rua inexistente ou composta por um número muito pequeno de espécies. Exóticas, como o alfeneiro (Ligustrum sp), o flamboyant (Caesalpinia sp) e a unha-de-vaca (Bauhinia variegata) são muito utilizadas, mas também algumas nativas, como as quaresmeiras (Tibouchina sp) e a sibipiruna (Caesalpinia petophoroides), que pouco tem a oferecer à avifauna.

ausência de critérios adequados para a efetuação da poda, sem respeitar época do ano ou características de cada espécie.

jardins residenciais formados principalmente por espécies exóticas, de porte arbustivo, sem muitas folhagens ou árvores.

presença de quintais com frutíferas, cuja produção destina-se ao consumo humano.

De todos esses fatores, apenas o último tem reflexos positivos nas populações de aves nativas, pois diversas espécies alimentam-se dos frutos não consumidos pelas pessoas, ou encontram condições adequadas de abrigo e nidificação entre os galhos das árvores, a salvo da predação de pessoas que, entre outras coisas, recolhem filhotes para mate-los em cativeiro. De modo geral, a vegetação pública é pouco mais acolhedora, para a avifauna, que a total ausência do verde. Poucas espécies podem ser vistas normalmente em uma praça típica de cidade do interior, destacando-se por sua abundância o pardal (Passer domesticus), espécie exótica.

O plano diretor de uma cidade deve levar em conta todas as vantagens que a arborização pública adequada traz à população humana e à fauna nativa. A seguir são listados alguns aspectos que devem ser contemplados quando da elaboração de diretrizes que norteiem a política de áreas verdes urbanas:

criação de áreas verdes em que a vegetação seja composta por espécies nativas, formando um ambiente o mais variado possível (por exemplo, bosques heterogêneos com estratos arbóreo e arbustivo);

adequação das espécies às condições em que serão utilizadas. Espécies destinadas à arborização de rua devem Ter altura compatível com a fiação; não devem Ter lenho frágil, que possa trazer perigo a transeuntes e a veículos; as raízes precisam ser profundas, de modo a não danificarem calçadas; de modo geral, não é aconselhável a utilização de espécies cujos frutos sejam consumidos pelo ser humano, pelo grande risco de depredação que correm durante a frutificação;

adequação das espécies às condições de solo e climáticas da região;

preocupação com a atração e fixação da fauna nativa, utilizando frutíferas, floríferas e melíferas nativas. É importante salientar que para tanto deve ser empregada a maior variedade possível de espécies vegetais quanto à época de floração e frutificação e quanto ao porte (arbóreo, arbustivo ou herbáceo);

possibilidade de produção pelo próprio município, das plantas a serem empregadas na arborização de ruas e áreas verdes.

Na tabela I estão relacionadas algumas espécies vegetais adequadas ao plantio em vias urbanas e ao mesmo tempo atraentes à avifauna. Maiores informações sobre essas e outras plantas podem ser obtidas nas seguintes obras: PALERMO Jr. (1985, 1986), SANCHOTENE (1985), SÃO PAULO (1986/1988, 1988).

Agradeço ao Dr. Hélio F. de A. Camargo e a Luiz Fernando de Andrade Figueiredo pelas sugestões apresentadas quanto à forma final deste artigo e a Wandir Ribeiro por suas valiosas informações.

BIBLIOGRAFIA CITADA

ARGEL-DE-OLIVEIRA, M.M. (org.) Observações preliminares sobre a avifauna da Cidade de São Paulo. Bol. CEO, 4: 6-39. 1987.

CARNEVALLI, N. & RIGUEIRA, S.E. Estudo preliminar da distribuição de aves em cinco biótopos na área do "Campus-UFMG". Lundiana, 2: 89-102. 1982.

PALERMO Jr, A. Arborização. 2. Ed. São Paulo, CESP, 1985. 19 p. (Coleção Ecossistemas Terrestres nº 5)

PALERMO Jr, A. Informações sucintas sobre algumas espécies vegetais. São Paulo, CESP. 1986. 39 p. (Coleção Ecossistemas Terrestres, nº 8)

RUSZCZYK, A., RODRIGUES, J.J.S., ROBERTS, T.M.T., BENDATI, M.M.A., del PINO, R.S., MARQUES, J.C.V. & MELO, M.T.Q. Distribuition patterns of eigth bird species in the urbanization gradient of Porto Alegre, Brazil. Cienc. Cult., 39: 14-19.

SANCHOTENE, M.M.C. Frutíferas nativas úteis à fauna na arborização urbana. Porto Alegre, Feplam. 1985. 311p.

SÃO PAULO, Secretaria de Serviços e Obras. Departamento de Parques e Áreas Verdes. Centro de Educação Ambiental. São Paulo Verde. São Paulo, 1988. n.p.

SÃO PAULO, Secretaria de Serviços e Obras. Departamento de Parques e Área Verde. Centro de Educação Ambiental. Conheça o Verde. 15v. São Paulo. 1986/1988.

SICK, H, & PABST, L.F. As aves do Rio de Janeiro (Guanabara) (Lista sistemática anotada). Arq. Mus. Nac., 53: 99-160, 1968.

VOSS, W.A. & SANDER, M. Aves do Parque Farroupilha em Porto Alegre, RS. Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul, Usisinos, Porto Alegre, São Leopoldo. 1984. 44 p.

* Endereço para correspondência: Av. Irerê, 198. São Paulo, SP. CEP 04064.

Recebido em 22/05/90

TABELA 1 – Algumas espécies, nativas ou exóticas, de interesse para a avifauna.

Nome popular Nome científico Atrativo Origem Altura Local adequado para plantio
Aroeira-mansa Schinus terebinthifolius Frutos Nativa Até 6 m Jardins, parques, calçadas com ou sem fiação
Bico-de-papagaio Euphorbia pulcherrima Flor México 2 a 4 m Cercas vivas, jardins, parques
Caliandra Calliandra spp Flor, abrigo Nativa Até 4 m Cercas vicas, jardins, parques
Cambará Lantana camara Flor, fruto Nativa Até 2 m Praças, parques
Capixingui Croton gracilipes Fruto Nativa Até 8 m Praças, parques
Cinamomo Melia azedarach Fruto Ásia Até 15 m Praças, parques
Crindiúva Trema micrantha Fruto Nativa Até 15 m Praças, parques, calçadas sem fiação
Embaúba Cecropia spp Infrutescência Nativa Até 10 m Praças, parques, jardins
Figueiras Ficus spp Fruto Nativas > 15 m Praças, parques
Fruta-de-pombo Allophylus edulis Fruto Nativa Até 10 m Praças, parques, calçadas com ou sem fiação
Grevilha-vermelha Grevillea banksii Flor Austrália Até 4 m Praças, parques, jardins
Guaçatonga Casearia sylvestris Fruto Nativa > 6 m Praças, parques, calçadas sem fiação
Hibisco Hibiscus spp Flor, abrigo Ásia e Oceania Até 4 m Praças, parques, jardins, ao longo de muros e paredes
Jerivá Syagrus romanzoffiana Fruto Nativa Até 15 m Jardins, canteiros centrais, calçadas sem fiação
Malvavisco Malvaviscus arboreus Flor, abrigo México a Brasil Até 2 m Cercas vivas, jardins, praças, parques
Maria-pretinha Solanua americanua Fruto Nativa Até 1 m Jardins, canteiros
Paineira Chorisia speciosa Flor, fruto Nativa Até 16 m Praças, parques e outras áreas amplas sem fiação
Piracanta Pyracantha spp Fruto Ásia Até 4 m Ao longo de muros e paredes
Suinã Erytrina speciosa Flor Nativa Até 6 m Praças, parques e outras áreas amplas
Tapiaguaçu Alchornea sidaeifolia Fruto Nativa Até 15 m Jardins, parques e outras áreas amplas sem fiação