Bol. CEO 7:16-19 Julho de 1990
CAÇA AMADORA: UM PONTO DE VISTA ORNITOLÓGICO
Em setembro de 1988 o CEO recebeu correspondência da ABC – Associação Brasileira de Caça, solicitando manifestação quanto a: "1- caça amadora regulamentada e cientificamente dosada e 2- a proposta da ABC para abertura de temporada experimental de caça em espécies estudadas e comprovadamente abundantes, em região delimitada e controlada."
Cópias desta correspondência foram encaminhadas a todos os associados do CEO, solicitando-se manifestações para que a entidade pudesse apresentar uma resposta à ABC representativa da opinião de todos os associados. A seguir são apresentadas estas manifestações.
O Prof. Edwin O´Neil Willis, Professor Adjunto do Dep. de Zoologia do Instituto de Biociências da UNESP – Universidade Estadual Paulista " Júlio de Mesquita Filho ", acredita que " a caça regulamentada pode simplesmente ser acrescentada à caça ilegal, se não forem tomadas providências. Também, qualquer caça afugenta e reduz certas populações de aves e estes fatores podem atrapalhar estudos e levantamentos científicos. " Observa que " a caça praticada em países temperados e no Estado pouco tropical do Rio Grande do Sul pode não funcionar em Estados mais equatoriais, por várias razões já conhecidas. Primeiro, é um fato bem conhecido que as aves tropicais botam poucos ovos, isto sendo explicado (entre outras teorias) pelo fato de ter poucas horas de luz para a alimentação dos filhotes nas épocas tropicais de reprodução. Aves que botam poucos ovos não podem ser caçadas em demasia. Segundo, existem mais espécies de predadores nos trópicos e, assim, menos excesso de filhotes e adultos para o caçador humano. Em alguns ambientes, a predação de ovos e filhotes é muito alta, notavelmente no cerrado. Terceiro, o grande número de espécies tropicais esta ligado com a população pequena de cada espécie e com o fato de que cada adulto é um especialista, que precisa aprender em vez de gastar tempo produzindo filhotes para os caçadores. Assim, a caça de cada indivíduo é mais prejudicial para cada espécie nos trópicos. Quarto, o fato de que existem mais espécies nos trópicos dá problemas maiores com identificação de aves e aumenta a possibilidade do caçador matar a espécie errada. Penso especialmente na codorna Nothura maculosa, ave comum que muita gente quer caçar. Existe outra codorna, Nothura minor, que é rara e facilmente confundida com N. maculosa. Quinto, os patos e alguns outros tipos d caça são raros em zonas tropicais, presumivelmente porque tem concorrentes para seu alimento. No caso dos patos, parece que há peixes (ectotérmicos) comendo o alimento disponível onde temperaturas são altas o ano todo."
Haroldo Palo Junior, fotógrafo da natureza, diz continuar acreditando "que a abertura da caça amadorística é m risco muito grande para o meio ambiente, pois conhecemos muito bem os órgãos fiscalizadores no Brasil. Mesmo no Rio Grande do Sul, onde existe algum fiscalização, já pude acompanhar muitas irregularidades e testemunhei depoimentos dos próprios fiscais de caça de que é impossível controlar o número de exemplares abatidos e as espécies caçadas. Em recente viagem de 12,000 km pelo \nordeste do Brasil, verificamos que a caça profissional, amadorística e de sobrevivência é praticada livremente em todos os Estados, inclusive áreas de Estações Ecológicas, Reservas e Parques Nacionais. Num trecho de 7 km no interior da Bahia, próximo ao Parque Nacional da Chapada Diamantina, encontramos oito caçadores à beira da rodovia, num final de tarde. É comum ver-se caçadores armados viajando em ônibus municipais sem a menor preocupação com a fiscalização. Com esse quadro já instalado, fico imaginando como seria com a abertura de temporadas legais de caça. Com certeza só aumentaríamos ainda mais os níveis de destruição. Quanto à caça cientificamente controlada, feita para reequilibrar ambientes alterados, com raras exceções para algumas espécies que causam prejuízo à agricultura, ainda não sofremos deste mal, pois os caçadores já existentes conseguem manter as populações da fauna cinegética em níveis bem baixos. Até o dia em que nossa população melhore seu padrão de vida (cultural/econômico) serei contra a abertura de temporadas de caça e acredito ser necessário rever o caso do Rio Grande do Sul, onde legalmente são abatidos quero-queros, periquitos,, bem-te-vis, andorinhas, sabiás, tico-ticos e muitas outras aves que não estão na lista das espécies cinegéticas."
Maria Martha Argel de Oliveira, bióloga, mestre em ecologia pela UNICAMP, questiona a proposta da ABC de "caça em espécies estudadas e comprovadamente abundantes, em região delimitada e controlada" , indagando: " a- que espécies ? b- quem estudou ? c- quem comprovou ? d- que região ? e- quem controla ? "
Marcos Rodrigues, biólogo, pós-graduando em ecologia da UNICAMP e Suzana M. Rodrigues Alvares, do curso de graduação em Biologia desta mesma Universidade, manifestaram-se contra a caça e argumentam que "não existe nenhum ornitólogo no Brasil que obteve provas de que uma espécie de ave seja "praga", nem nos casos que mais chamam a atenção como a avoante, Zenaida auriculata, no sudeste e a caturrita, Myiopsitta monachus, no sul do país. "
Otávio Salles, de Jacutinga, MG, diz só admitir a caça de subsistência e, ainda assim, desde que praticada sobre espécies não ameaçadas de extinção, ou endêmicas. "Sair a campo com armas sofisticadas e farta munição para abater criaturas indefesas, a meu ver, é tudo menos esporte. O controle populacional deve ser exercido pelos inimigos naturais de cada espécie e não pelo homem, salvo em situações excepcionais." Como requisitos indispensáveis para a eventual liberação da caça amadorística considera que " os levantamentos populacionais das espécies ditas cinegéticas fossem feitos por entidade idônea e independente, sem qualquer vínculo com as associações de caçadores " e " que houvesse meios de ser exercida fiscalização rigorosa e efetiva sobre os caçadores, o que hoje me parece impraticável."
Luiz Octavio Marcondes Machado, Professor Assistente do Departamento de Zoologia do Instituto de Biociências da UNICAMP manifesta que " a caça regulamentada ou ilegal, no estágio atual do conhecimento da zoologia da nossa fauna, é um grande risco." Lembra que a situação em nosso meio " com os ambientes extremamente perturbados e sem termos conhecimento da dinâmica populacional da maioria das espécies cinegéticas" é diferente daquela encontrada " em países do Hemisfério |Norte de clima temperado, cuja maioria das espécies é migratória e se reproduz em grande quantidade, em um curto período, onde se gasta recursos enormes no estudo e na recuperação de ambientes degradados." Considera que " o pequeno montante de recursos resultante do pagamento de taxas para licença de caça, possibilitaria uma ajuda mínima frente às grandes necessidades que o país precisa investir em pesquisas sobre o meio ambiente. Quando se diz que os animais sacrificados pela caça seriam aqueles eliminados naturalmente pela seleção natural, não se está levando em conta que os caçadores procuram abater os exemplares mais perfeitos, com maior peso, exatamente o inverso do que ocorre com a seleção natural. "
Cecília Helena Leme Ferrari, de Itapetininga, SP, diz que " para a população que sabe que a caça é sempre proibida, fica mais fácil ajudar a controlar os caçadores furtivos, do que se neste mês pode e no tal mês não pode." Esclarece que a recomendação da 17ª Assembléia da IUCN que recomenda que os países que não tem regulamentada sua caça que o façam, não significa que esta deva ser liberada, pois regulamentar a caça pode significar também sua proibição.