Centro de Estudos Ornitológicos
Bol. CEO 5:12-15 Janeiro de 1988
UM FORMICARÍDEO EM CIDADES ?
Yoshika Oniki
Dep. de Zoologia, UFMT
Bolsista CNPq, Programa Polonoroeste
78098 – Cuiabá, MT
Nos últimos anos, ecólogos e ornitólogos estão se interessando pelo levantamento de aves ocorrentes em zonas urbanizadas, estando até mesmo em fase de elaboração um programa para tal finalidade (Figueiredo, Oliveira e Forneris, 1987). Este interesse levou os meios de comunicação televisionados à conclusão de que aves estão retornando às cidades, principalmente na grande São Paulo onde os prédios e ruas de concreto se multiplicam tomando o lugar das praças e avenidas que outrora eram enfeitadas de árvores nativas e exóticas de grande porte.
Desde o nosso estabelecimento na cidade de Rio Claro em 1982, iniciamos um estudo sobre as aves que ocorrem no campus da Universidade Estadual de Rio Claro bem como nas áreas urbanizadas, uma vez que sendo uma cidade interiorana, ainda há muitas casas com quintais grandes com árvores frutíferas. Dentre as aves listadas anotou-se Thamnophilus doliatus, o único formicarídeo que atualmente convive com a civilização. É uma ave insetívora semelhante a Thamnophilus punctatus na aparência e hábitos.
O macho é preto barrado de branco nas costas e na cauda, o topete é preto e o ventre é branco barrado de preto. A fêmea é amarronzada com a coroa marrom avermelhada e face rajada de preto. Ocorre em áreas de vegetação secundária ocupando os níveis médios no sub-bosque mas descendo até o chão à procura de insetos. Esta espécie tem uma das mais amplas distribuições da família, ocorrendo desde o centro-leste do México até o norte da Argentina e Bolívia (Meyer de Schauensee, 1970).
Sendo esta espécie habitante de margens de florestas e áreas de vegetação secundária, o que a teria levado a expandir o seu habitat de ocupação ? Van Valen 1965; Diamond 1970, 1975; Keast 1970; MacArthur et al. 1972; Yeaton 1974; Abbot 1976; Cox e Ricklefs 1977 explicam que a expansão de nichos em ilhas ocorre quando há uma redução na competição de espécies ecologicamente semelhantes no continente. Yeaton e Cody (1974) sugeriram que certos manimbes da América do Norte (Melospiza melodia) aumentaram seus nichos e densidade em ilhas por serem generalistas em habitat e alimentação. O mesmo foi enunciado para Thamnophilus punctatus no Panamá por Oniki (1975).
Assim, Thamnophilus doliatus parece ser outro caso de expansão de habitat ou " niche breath", uma vez que é generalista no forreamento, utilizando-se de presas de diversos tamanhos e tipos, apanhados em uma maior diversidade de folhagens, e em ramos e troncos a alturas variadas (Keeler-Wolf, 1986).
Embora membro da família dos formicarídeos, cuja maioria é habitante das matas sombrias tropicais ou sub-tropicais e para isso, apresenta-se com plumagens de cores apagadas, de forma que se mesclam com o ambiente que frequentam, Thamnophilus doliatus parece Ter-se adaptado muito bem ao ambiente urbanizado com suas áreas abertas, alta luminosidade e muita poluição sonora, características que não são comuns em seus habitats naturais. Assim tem-se assinalado a sua presença na cidade de Rio Claro durante todo o ano e sua nidificação em jardins verifica-se em anos recentes.
Em 1982, um macho foi observado cantando e vagueando nas árvores ao redor de nossa casa mas em 1987 observou-se pelo menos dois casais. Um deles tem aninhado no quintal vizinho por pelo menos 5 anos. O casal mantém o nosso quintal como área de alimentação, visitando-o para apanhar insetos em meio às folhas secas das bananeiras e até no chão mas pernoitam no meio dos galhos e folhas da laranjeira ou goiabeira. O dia é iniciado com um grito Xi! Emitido 5 a 6 vezes antes que o canto propriamente dito seja iniciado e a ave comece a se movimentar entre os ramos das árvores.
Em 2 de setembro de 1986 visitamos o quintal da Rua 13, Av. 4 e 6 onde um casal de Thamnophilus doliatus alimentava dois filhotes no ninho. Este era uma pequena taça pendurada em uma forquilha de Hibiscus sp, a 1,9 m de altura. Embora de aparência frágil e transparente, o ninho suportava bem os dois filhotes que pesavam 15,8 g e 17,0 g respectivamente. Os filhotes que são nidícolas, tinham os olhos abertos , pelo rosa enegrecida e com poucos canhões apontando no topo da cabeça. Mesmo com a nossa presença a 5 m de distância, os adultos vinham alimentar os jovens e forrageavam nas proximidades sem muitos cuidados. De acordo com o Prof. Amilton Ferreira da Univ. Estadual de Rio Claro, o casal aninhava até duas vezes ao ano com sucesso.
Portanto, com a conscientização da população, outros relatos de ocorrência da espécie deverão surgir, como ocorreu com J. Bagusa que nos informou Ter notado Thamnophilus doliatus nas cercanias da cidade de Cerquilho, SP, no ano de 1987.
(Uma vez que o nome geral, em português, desta ave não está ainda estabelecido, deixou-se para outra ocasião uma discussão dos nomes usados para a espécie).
Referências bibliográficas
ABBOT, I. 1976. Is the avifauna of Kangaroo Island impoverished because of unsuitabel habitat, Emu 76: 43-44.
COX, G.W. & R.E. RICKLEFS, 1977. Species diversity and ecological release in Caribbean land bird faunas. Oikos 27:251-258.
DIAMOND, J.M. 1970. Ecological consequences of island colonization by Southwest Pacific birds. I. Types of niche shifts. Proc. Nat. Acad. Sci. 68:2742-2745.
FIGUEIREDO, L.F. de ª; M.M.A. de OLIVEIRA & L. FORNERIS, 1987. Um programa de censo de avifauna de ambientes urbanizados. Boletim CEO (3):6-12.
KEAST, ª 1970. Adaptative evolution and shifts in niche occupation in island birds. Biotropica 2:61-75.
KEELER-WOLF, T. 1986. The Barred Antshrike (Thamnophilus doliatus) on Trinidad and Tobago; habitat niche expansion of a generalist forager. Oecologia 70:309-317.
MACARTHUR, R.; J. DIAMOND & J. KARR. 1972. Density compensation in island faunas. Ecology 53:330-342.
MEYER DE SCHAUENSEE, R. 1970. A guide to the birds of South America. Livingston Publ. Co., Wynnewood, Pennsylvania, xiv+470 pp.
ONIKI, Y. 1975 The behavior and ecology of the Slaty Antshrike (Thamnophilus punctatus) on Barro Colorado Island, Panama Canal Zone. An Acad.Brasil.Cienc. 47: 477-514.
VAN VALEN, L. 1965. Morphological variation and width of ecological niche. Am Nat. 99:377-399.
YEATON, R.I. 1974. Na ecological analysis of chaparral and pine forest bird communities on Santa Cruz Island and mainland California. Ecology 55:959-973.
YEATON, R.I. & M.L. CODY. 1974. Competitive release in island Song Sparrow populations. Theor. Pop. Biol. 5:42-58.
Recebido em 11 de dezembro de 1987