A AMEAÇA DOS ANIMAIS SILVESTRES DE ESTIMAÇÃO

Ultimamente, a prática de manter animais silvestres como animais de estimação tem se intensificado em nosso meio, em decorrência de fatores como uma propaganda favorável feita por parte da mídia, uma maior liberalidade legal e certamente, o interesse econômico.

 

Entretanto, esta prática pode ter importantes implicações ecológicas e sanitárias, cujo conhecimento é fundamental, no sentido de se prevenir maiores consequências.

 

Do ponto de vista dos próprios animais, é uma prática indesejável, já que implica em condições de manutenção absolutamente incorretas. As acomodações e alimentação são inadequadas, os espaços são mínimos, não existe adequada assistência veterinária, levando os animais a condições de vida absolutamente artificiais.

 

Do ponto de vista do homem, há sérios riscos. É praticamente impossível emitir um laudo de sanidade para muitos animais, em função da falta e mesmo inexistência de meios diagnósticos suficientes. Alguns animais podem por exemplo ser portadores de raiva em fase de incubação, não detectável pelos meios diagnósticos disponíveis. A manutenção de serpentes peçonhentas em casa, em geral exóticas, oferece o risco de picadas para as quais não existe soro específico em nosso meio, o que acarretará morte inevitável do acidentado. Aranhas caranguejeiras podem ser responsáveis por processos alérgicos graves. Um único pêlo inalado pode levar ao choque anafilático. Outro risco é o da leptospirose, já tendo sido achado um bugiu portador desta doença. Certamente muitas outras doenças ainda pouco conhecidas podem ser transmitidas por animais silvestres.

 

Mas o grande risco desta prática emergente é com certeza o risco ambiental. Há inumeráveis exemplos no mundo todo dos desastres ecológicos que podem ser causados pela introdução de animais em áreas onde não existiam naturalmente. E solturas inadvertidas e irresponsáveis já têm acontecido com frequência crescente em nosso meio.

 

Um iguana já foi achado no Parque Ibirapuera. O Instituto Butantan recebeu uma informação de que uma cobra naja foi solta em Mongaguá. Três víperas fugiram na rodoviária de Porto Alegre. Um menino já ligou para esse mesmo Instituto queixando-se de que sua mãe soltou todos seus bichos (exóticos) no sítio! E tudo isto é a ponta de um enorme iceberg. Por trás do comércio legal, que por sua vez já é bastante irresponsável, há o tráfico, estimulado e de certo modo justificado pelo primeiro. Já foi notado que crianças de famílias mais pobres, não podendo adquirir os bichos importados, adquirem os nacionais, inclusive serpentes peçonhentas como jararacas e outras.

 

A Lei de Crimes Ambientais proíbe a introdução de animais no país, sem a devida licença da autoridade competente. Entretanto, Portarias do IBAMA são suficientes para autorizar importação e comercialização de animais exóticos como animais de estimação, os quais terminarão na mão de crianças e cidadãos sem a menor condição de mantê-los seguramente em cativeiro. Quem arcará no caso com a responsabilidade legal por uma introdução acidental ou deliberada? Deixar estes animais com crianças é como deixar armas ou o carro com pessoas inabilitadas a portá-los. Na realidade deveria haver uma legislação obrigando que toda liberação de importação de animais para esta finalidade fosse precedida por um EIA-RIMA (Avaliação de Impacto Ambiental). Um problema que tem sido detectado é que os proprietários frequentemente se cansam ou desgostam por algum motivo de seus animais e os soltam em qualquer lugar, por falta de uma instituição preparada e equipada para recebê-los. Quando não acontece de forma absolutamente inadvertida. Há répteis que passam por um período de letargia simulando a morte, sendo então descartados em qualquer lugar. Um lagarto "reviveu" depois de mantido no freezer. Filhotes de serpentes fogem com grande facilidade, como já ocorreu até em centros de herpetologia.

 

Por fim, outros grandes prejudicados por esta prática inconsequente são as crianças que são estimuladas pela mídia ou pelos pais a aderirem a ela. Simplesmente porque são assim ensinados a manterem uma relação com a natureza completamente inadequada aos tempos modernos, já que o gosto pelo aprisionamento de animais silvestres foi e continua sendo responsável pela extinção de muitas espécies na natureza. Perde também a oportunidade de ter uma relação muito mais sadia, gratificante e educativa com a natureza, que é sua simples contemplação nos habitats naturais.

 

 

O presente texto é um resumo das manifestações apresentadas na Mesa Redonda "Implicações ecológicas e sanitárias da utilização de animais silvestres como animais de estimação", promovida pelo CEO em Junho de 1998.

 

Manifestantes

 

Angela Spuni - Diretora da Divisão de Veterinária e Manejo de Fauna do DEPAVE da Prefeitura de São Paulo

Antonio Fernando Pinheiro Pedro - Presidente da Associação Brasileira de Advogados Ambientalistas

Luiz Fernando de A. Figueiredo - 1º Secretario do Centro de Estudos Ornitológicos

Pedro Antonio Federsoni - Diretor do Museu do Instituto Butantan.