Prevenção de doenças e acidentes nos trabalhos de campo

Os trabalhos de campo podem expor o pesquisador e o observador de aves a diversos agravos de saúde, como acidentes em geral, agentes de doenças endêmicas e acidentes por animais peçonhentos. Diversas precauções e medidas preventivas podem e devem ser tomadas.

 

Indice

abelha

acidentes

Aedes aegypti

Amblyomma cajennesis

animais peçonhentos

Apis mellifera

Aranha

aranha-armadeira

aranha-caranguejeira

aranha-de-grama

aranha-marrom

berne

Bothrops

botulismo  

carrapatos

carrapato-estrela

cascavel

Clostridium tetani

coleóptero

cobra coral

Crotalus

dengue

Dermatobia hominis

Desmodos rotundus

diarréia

doença de Chagas

encefalite por arbovírus Rocio

escorpiões

esquistossomose

febre amarela

febre maculosa

formigas

formiga-de-embaúba

formiga-de-fogo

gripe aviária

hantavirose

Hylesia

jararaca

Lachesis

lacraias

leishmaniose cutâneo-mucosa

leishmaniose visceral

lepidópteros

Lonomia obliqua

Loxosceles

Lycosa

malária

marimbondos

Melipona anthidioides

Micrurus

Paederus

Paraponera clavata

pararama

Phoneutria

Premolis semirufa

raio

raiva

Rickettsia rickettsii

serpentes

surucucu

tarântula

taturana

Tityus 

tocandira

toxoplasmose

vespas

viúva-negra

 

 

Doenças Infecciosas e Parasitárias

 

Antes de dirigir-se a uma nova área é bom saber que doenças endêmicas existem lá, para que possa tomar medidas preventivas adequadas. Estas informações podem ser obtidas junto ao Ministério da Saúde e nas Secretarias de Saúde dos Estados e Municípios.

 

A febre amarela é uma doença infecciosa que pode evoluir para formas graves e nestas a letalidade pode chegar a 50% dos casos. É causada pelo vírus da febre amarela que é transmitido ao homem por mosquitos. Atualmente sua transmissão ocorre apenas no ambiente silvestre, mas pode eventualmente tornar-se urbanizada, tendo na cidade como vetor o Aedes aegypti. O controle do vírus é impossível pois é perpetuado na natureza em reservatórios vertebrados, principalmente macacos, sendo transmitido por mosquitos silvestres, que têm habitat predominante nas copas das árvores. Há uma vacina eficaz, disponível gratuitamente em postos de saúde. Ela confere boa proteção, devendo ser tomada uma dose e um reforço após 10 anos. Antigamente eram indicados reforços a cada 10 anos, o que não é mais necessário. Portanto, quem já tomou duas doses está imunizado. Para crianças, deve ser dada a primeira dose com 9 meses de idade e o reforço com quatro anos. Em locais onde estão ocorrendo surtos, uma dose já pode ser dada aos seis meses de vida, mas depois é necessário das mais duas doses como indicado acima. A vacina é indipensável para quem se dirige a áreas onde pode ocorrer a transmissão silvestre da doença, que corresponde à maior parte do território nacional, como indicado no mapa. Em alguns estados a vacina é indicada mesmo que a pessoa não vá se dirigir a áreas silvestres, como é o caso de Minas Gerais. A vacina deve ser tomada 10 dias antes do deslocamento para áreas de ocorrência da doença. Pessoas com mais de 60 anos, gestantes, nutrizes e portadores de doenças crônicas, especialmente as que implicam em baixa imunidade, deverão passar por avaliação médica antes de tomarem a vacina, pois esta pode ter efeitos colaterais importantes nessas pessoas. O encontro de macacos mortos (inclusive ossadas) ou doentes pode ser decorrente desta doença e este fato deve ser notificado às autoridades de saúde da área.

 


A dengue é causada pelo vírus da dengue, transmitido principalmente pelo mosquito Aedes aegypti, do homem infectado para o homem susceptível. O mosquito é caracteristicamente diurno. O quadro clínico é bastante variável, indo desde infecções inaparentes, até quadros graves de hemorragia e choque. A grande preocupação com relação ao controle desta doença é sua a urbanização, já que o mosquito transmissor é bastante sinantrópico, propagando-se com facilidade em pequenas coleções de água limpa dentro de domicílios e em sua proximidade, como pratos de plantas, latas, vidros, pneus, ferros-velhos, etc. Não existe vacina contra esta doença.

A hantavirose, causada pelo hantavírus é doença aguda que pode ter curso grave, em consequência do acometimento pulmonar (síndrome pulmonar por hantavírus), levando ao colapso cardíaco. Muitos podem também se infectar sem apresentar doença aparente. O tratamento é apenas sintomático. O hantavírus é transmitido por ratos silvestres, por meio de sua saliva, urina e fezes. A contaminação também pode se dar pela inalação de poeira contaminada com o vírus. Algumas espécies de ratos transmissores se propagam bem em lavouras como as de soja, milho e feijão, e também em capins de pastos. 

A malária é transmitida pelos mosquitos do gênero Anopheles e atinge 80% do território brasileiro. Os grandes ornitólogos Olivério Mario de Oliveira Pinto e Helmut Sick foram acometidos de malária em suas andanças pelos sertões. O quadro clínico caracteriza-se pelos acessos febris típicos que apresentam três fases bem distintas que são: calafrio, febre, sudorese. O mosquito transmissor se reproduz em águas naturais como rios, lagos, riachos, áreas irrigadas, represas, etc. O controle é feito com medidas de saneamento como desobstrução de valas e canais, limpeza de vegetação e inclinação das margens dos rios, retificação de cursos d'água, drenagem de pântanos e outras, medidas estas muitas vezes infelizmente de grande impacto ambiental. Nas habitações pode-se eliminar os mosquitos com o uso de inseticidas de ação residual, instalação de telas, mosquiteiros e roupas adequadas e o uso de repelentes. Há regiões onde a malária se transmite durante todo o ano e outras onde só ocorre na chamada "estação de malária". Uma alternativa de proteção contra a malária é a quimioprofilaxia, ou seja, o uso de um medicamento para evitar que se contraia a doença, que entretanto não funciona em 100% dos casos. O tipo de medicamento, a dose e o tempo de uso dependem de diversos fatores, como o tempo que o indivíduo permanecerá na região endêmica, o tipo de Plasmodium (protozoário causador da doença) existente na área e sua resistência aos medicamentos. Portanto, o uso destes medicamentos deve ser feito sempre com orientação médica, principalmente porque podem também causar efeitos colaterais importantes. Nos últimos anos muitos avanços foram conseguidos para obtenção de uma vacina, que entretanto ainda não está disponível.

A leishmaniose cutâneo-mucosa é uma infecção causada por um protozoário, a Leishmania brasiliensis e atinge quase exclusivamente a pele e mucosas. É uma zoonose de roedores silvestres e se transmite ao homem e animais domésticos, como o cão e gato, pela picada de mosquitos flebótomos (gênero Phlebotomus), vulgarmente chamados no Nordeste de "mosquito-palha" e no sul do Brasil de "birigui". Medem 2 milímetros de comprimento e picam geralmente ao pôr do sol e à noite, deixando uma lesão com intenso prurido. Os criadouros são locais úmidos e sombrios, como por exemplo ocos de árvores. Esta doença tem ampla distribuição no país, ocorrendo em praticamente todos os estados. Sua ocorrência está quase sempre associada com a presença de mata na região. Ela se manifesta inicialmente por úlceras na pele, em geral indolores. Existe tratamento medicamentoso eficaz. A principal medida de prevenção individual é evitar contato com os mosquitos transmissores.

A leishmaniose visceral, ou calazar é causada nas Américas pelo protozoário Leishmania chagasi e é transmitida pelo mosquito Lutzomyia longipalpis, conhecido popularmente como mosquito palha ou birigui, de hábito noturno. Ocorre principalmente no nordeste do Brasil, mas alguns focos já foram descritos na região sudeste e centro-oeste, em diversos municípios, mesmo capitais como Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Os hospedeiros do parasita são principalmente canídeos, tanto silvestres como o cão doméstico, responsável pela transmissão da doença em áreas urbanas. A maior parte dos casos de infecção humana são assintomáticos, seguindo-se os oligossintomáticos, que se manifestam por um quadro infeccioso inespecífico. O quadro mais grave constitui o calazar clássico, caracterizado por desnutrição, aumento do abdome devido ao aumento do fígado e baço, febre, hemorragias e diversos outros padecimentos. Há um tratamento eficaz. Cães doentes na região pode ser uma indicação da ocorrência de leishmaniose visceral. Estes apresentam geralmente emagrecimento, descamação e úlceras de pele, apatia, diarréia e hemorragia intestinal, entre outros. A principal medida individual de prevenção é evitar contato com o mosquito transmissor.

A esquistossomose é uma verminose causada pelo Schistosoma mansoni. A longo prazo esta doença pode causar uma forma de cirrose hepática, além de outras complicações. A doença é adquirida quando se entra em contato com águas naturais contaminadas com o parasito, como rios, córregos, lagoas, açudes, valas de irrigação, etc. Para a ocorrência do parasito é necessária a existência nestas águas do hospedeiro intermediário, que são caramujos do gênero Biomphalaria. As cercarias, que constituem uma fase do ciclo biológico do parasito, saem do caramujo e penetram diretamente na pele íntegra do homem e outros animais (hospedeiros definitivos). O diagnóstico pode ser feito pelo exame de fezes. Atualmente existem medicamentos bastante eficazes para o tratamento desta doença. O controle desta endemia é muito difícil, pois exige grandes investimentos. A medida individual de prevenção é evitar entrar em contato com águas naturais suspeitas estarem contaminadas com o parasita.

A raiva é uma doença com letalidade de 100%. Mordeduras de mamíferos domésticos e silvestres são potencialmente transmissoras do vírus da raiva. Qualquer acidente deste tipo exige atendimento médico imediato. A norma de tratamento preventivo anti-rábico indica a aplicação de soro e vacina anti-rábicos em todo caso de mordedura por mamífero silvestre, em que não tenha sido possível sacrificá-lo para fazer o exame necroscópico para verificar se tinha ou não raiva. Pessoas que trabalham com animais que oferecem risco potencial de transmissão de raiva podem receber o  esquema de vacinação pré-exposição. Em outros países já ocorreram casos de raiva adquiridos pela inalação de aerossóis em cavernas habitadas por morcegos portadores do vírus desta doença. Em nosso meio não foi descrita esta forma de transmissão. Entretanto, o Desmodus rotundus, morcego hematófago transmissor da raiva, pode atacar pessoas que dormem em lugares abertos deixando partes do corpo desprotegidas.


Desmodus rotundus - Luiz Fernando de Andrade Figueiredo

 

 

A encefalite por arbovírus Rocio é doença aguda do sistema nervoso central,  com história de ocorrência, inclusive de epidemias, na região sudeste do estado de São Paulo (Baixada Santista e Vale do Ribeira) e região limítrofe do Paraná. Rocio é o nome da localidade onde o vírus foi descoberto. Perpetua-se na natureza em hospedeiros vertebrados, aves e mamíferos, e transmite-se por mosquitos hematófagos. Tem período de incubação em torno de 10 dias e manifesta-se com febre, dor de cabeça intensa, tontura, fraqueza, vômitos, alterações da consciência e diversos outros sinais e sintomas, característicos do envolvimento do sistema nervoso central. Sequelas graves, envolvendo a motricidade e o equilíbrio podem ocorrer em até 20% dos casos. O diagnóstico é feito pelo exame de líquor e sorológico do sangue, além do isolamento do vírus nestes dois materiais, estes últimos confirmatórios. Não há tratamento específico, apenas sintomático e de manutenção.

O berne é a larva da mosca Dermatobia hominis, que parasita a pele de mamíferos, inclusive o homem. As fêmeas depositam seus ovos sobre o abdome de outros insetos, mosquitos ou moscas Depois de uma semana as larvas estão maduras e aproveitam o momento em que o inseto vetor pousa sobre algum mamífero para abandonarem o ovo e se alojarem na pele deste. Aí se desenvolvem em um período que é geralmente de 35 a 40 dias, mas que pode prolongar-se a dois e até três meses. Completada esta fase o berne abandona seu hospedeiro e termina seu desenvolvimento no solo sob a forma de pupa.

 

Ao penetrarem na pele as larvas dão a sensação de picada ou prurido, mas podem também passar despercebidas. Em torno delas desenvolve-se uma reação inflamatória, a pele fica avermelhada e entumecida, como um furúnculo. No meio da lesão há um orifício, por onde a larva respira. Com o progredir do desenvolvimento da larva, podem ser sentidas dores agudas, como ferroadas e também se percebe o movimento do parasito. Com a saída da larva a lesão tende para a cura expontânea, porém pode haver complicações com a contaminação bacteriana, formando-se verdadeiros furúnculos. Também pode ser uma porta de entrada para o bacilo do tétano.

 

O diagnóstico é fácil. O fato de ter ido recentemente para áreas silvestres ou rurais é o primeiro indício. A lesão característica, com orifício no centro, onde com atenção pode-se ver o movimento do parasito, dá a certeza final.

O tratamento consiste na extração da larva. A estratégia é impedir que ela respire, o que a forçará a sair. Para isto utiliza-se um esparadrapo sobre a lesão ou ainda uma receita provavelmente de origem popular mas também muito indicada pelos médicos: aplica-se sobre a lesão por algumas horas um pedaço de toucinho, para dentro do qual a larva acabará saindo. O fato de ser uma substância natural e presente na pele deve encorajar a larva a sair.

Na falha deste processos a larva deverá ser tirada cirurgicamente.

 

Pequenos ferimentos são comuns nas atividades de campo. Uma consequência grave destes pode ser o tétano, que pode ter alta letalidade. O micróbio causador, o Crostridium tetani, ocorre livremente na natureza, de onde pode atingir a corrente sanguínea por meio de ferimentos, especialmente os mais profundos e que não podem ser adequadamente limpos. A prevenção é absolutamente fácil por meio da vacina. Esta deve ser tomada desde o primeiro ano de vida. Os adultos não imunizados anteriormente devem receber um esquema básico de três doses e posteriormente devem receber uma dose de reforço a cada 10 anos. A vacina faz parte do Programa Nacional de Imunizações e está disponível nos postos de saúde, algumas vezes associada à vacina contra a difteria (Vacina Dupla Adulto).

A doença de Chagas é causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi que é transmitido ao homem pela picada de insetos triatomíneos chamados popularmente de "barbeiros", parecidos com os comuns percevejos. Os insetos picam à noite suas vítimas para sugarem sangue e ao mesmo tempo defecam. Ao coçar-se o indivíduo leva as fezes do inseto, onde se encontra o protozoário parasita, ao ferimento causado pela picada, por onde ele penetra. Um fator que facilita muito a transmissão da doença de Chagas é a domiciliação do inseto transmissor, que vem viver na habitação humana ou próximo dela. Um local preferencial usado como esconderijo diurno pelos insetos são as frestas existentes nas casas de pau-a-pique do interior. A transmissão desta doença está em declínio no Brasil em decorrência da atuação dos serviços sanitários de saúde, que realizam a dedetização das habitações rurais e a educação sanitária, eliminando o principal vetor da doença, o Triatoma infestans. Entretanto tem-se notado um aumento de casos na Amazônia, possivelmente pela vinda aos domicílios de triatomíneos silvestres. A infecção ocorre também em diversos mamíferos silvestres e domésticos, que funcionam como reservatórios da doença. A doença de Chagas tem evolução bastante insidiosa e os sintomas crônicos geralmente surgem após uma década da contaminação. Os principais acometimentos referem-se ao coração (arritmias e insuficiência cardíaca) e o aparelho gastrointestinal. Não existe um tratamento eficaz para eliminar o parasita do organismo. Os medicamentos visam diminuir o número de parasitas.

A toxoplasmose é causada pelo protozoário Toxoplasma gondii. Os felinos ocupam um papel singular no ciclo de vida deste parasita, já que funcionam como hospedeiros definitivos e intermediários ao mesmo tempo. Em seu intestino ocorre uma fase do ciclo. O parasita é eliminado pelas fezes dos felinos e contaminam via oral os hospedeiros intermediários, entre os quais ovinos, bovinos, suínos, roedores, aves e o homem. Nestes o parasita pode ser levado a diversos tecidos, principalmente o tecido nervoso e muscular, onde formam cistos que podem ali permanecer por toda a vida do hospedeiro. Quando felinos se alimentam destes animais, ingerem novamente os parasitos, reiniciando-se o ciclo. O homem pode infectar-se comendo alimentos contaminados com fezes de felinos ou comendo carnes que não tenham sido suficientemente cozidas ou assadas. A maior parte das pessoas contaminadas não apresentam sintomas e as manifestações clínicas quando ocorrem são pouco exuberantes, sendo raros os casos graves, exceto na pessoa com imunodeficiência. Entretanto a infecção congênita (infecção do feto por transmissão transplacentária), pode causar malformações muito graves. Um acometimento clínico importante é decorrente da instalação dos parasitas na retina, causando problemas visuais de difícil tratamento. A prevenção consiste em evitar comer carne mal passada ou mal cozida e nunca beber água que não seja potável, além de medidas de higiene, naturalmente. Riachos cristalinos em meio a matas podem estar contaminados com fezes de felinos, já tendo sido descrito um surto de toxoplasmose em soldados que teve possivelmente esta fonte de contaminação. Como os gatos domésticos têm o hábito de se lamberem para fazerem a limpeza do pêlo, podem levar os parasitas do ânus para o pêlo. Ao acariciá-los podemos contaminar nossas mãos e em seguida alimentos que venhamos a pegar. A prevenção se dá também evitando contato com gatos, e com suas fezes.

A febre maculosa é causada por uma bactérias do gênero Rickettsia, ocorrendo em diversos continentes. Nas Américas o agente é a Rickettsia rickettsii, que é transmitida ao homem por carrapatos, principalmente pelo carrapato estrela, também chamado de carrapato do cavalo ou rodoleiro, Ambliomma cajennense.



Carrapato transmissor da febre maculosa.
A: vista superior.
B: vista inferior.


Fonte: Mem. Inst. Oswaldo Cruz. 59(2): 115-130 - Jul., 1961

No Brasil o principal reservatório bactéria é o carrapato-estrela. Para que haja infecção do homem, há necessidade de que o carrapato fique aderido durante um certo tempo (4 ou 6 horas). O carrapato fica infectado durante toda sua vida e ocorre transmissão transovariana para sua prole. A presença de animais de grande porte (cavalos, capivaras, etc) teria como consequência permitir uma maior proliferação de carrapatos, sua participação como reservatórios é ainda discutível. O período de incubação da doença é de 2 a 14 dias (em média 7 dias). A doença tem incidência maior na primavera e verão. O início é súbito com febre moderada a alta que dura de 2 a 3 semanas, acompanhada de cefaléia, calafrios, congestão das conjuntivas, dores musculares. No terceiro ou quarto dia pode aparecer um exantema maculo-papular (manchas na pele) róseo, inicialmente nas extremidades, em torno do punho e tornozelo e daí se estendendo para o resto do corpo, inclusive palmas das mãos e plantas dos pés. Hemorragias podem ser frequentes, inclusive petéquias (pequenas hemorragias puntiformes na pele). A doença pode também cursar assintomática ou com sintomas muito discretos. Outros podem ser graves, ocorrendo sufusões hemorrágicas seguidas de necrose destas áreas. Há ainda torpor, agitação, sinais meníngeos, coma. Casos graves não tratados podem ter letalidade em torno de 20%. A confirmação de faz com o exame sorológico e cultura e o tratamento com antibióticos e cuidados de enfermagem. A prevenção se faz conhecendo as áreas endêmicas; evitar andar pelas áreas infestadas; evitar deitar-se ou assentar-se no chão; retirar imediatamente os carrapatos que aderirem ao corpo; usar calça comprida colocada dentro da bota, usando uma fita adesiva para lacrar o espaço entre a calça e a bota ou utilizando neste local repelente de insetos; uso de roupa clara para melhor visualizar os carrapatos; não esmagar os carrapatos com as unhas, pois com o esmagamento pode-se liberar a bactéria que pode assim penetrar por microlesões da pele; retirar os carrapatos através de leve torção para liberar as peças bucais. Os pecuaristas podem promover rotação de pastagens e a aplicação de carrapaticidas nos animais domésticos. No Brasil as regiões endêmicas estão nos estados de SP, RJ, MG, ES e BA. Em SP, foram notificados casos nos municípios de Mogi das Cruzes, Diadema, Santo André, Pedreira, Jaguariúna, Campinas, Piracicaba.

A gripe aviária é doença causada pelo vírus H5N1, que atinge principalmente aves, em especial as aquáticas. As cepas atualmente isoladas têm baixo potencial de infectar o ser humano, mas há preocupação de que cepas mutantes venham a ter esse potencial aumentado. A grande maioria dos casos humanos se deram por contaminação a partir de aves domésticas, tendo as aves silvestres pouca importância na cadeia epidemiológica da doença. A doença atualmente está restrita à Asia, casos esporádicos ocorreram na Europa oriental e ocidental. Uma preocupação é que aves migratórias possam disseminar a doença, embora isto não tenha se comprovado na prática. No nosso meio essa possibilidade é ainda mais remota, já que não há rotas migratórias de aves da Ásia para as Américas, embora indivíduos vagantes façam o percurso Europa - América do Sul. A Sociedade Brasileira de Ornitologia divulgou nota sobre a gripe aviária, disponível em seu site.

A diarréia é a doença mais comum que acomete viajantes. São causadas por bactérias, vírus ou protozoários que se transmitem por meio da água ou alimentos contaminados. A prevenção consiste simplesmente em só beber e utilizar para a feitura de alimentos água potável adequadamente tratada. Na falta desta, a água poderá ser fervida ou tratada com hipoclorito de sódio (2 gotas por litro, aguardando-se 30 minutos para usar). O maior problema será com relação aos alimentos, já que em áreas rurais e outras distantes dos centros urbanos há grande disponibilidade de alimentos que não passam pelo processo de industrialização ou fiscalização sanitária. Deve-se comer verduras e frutas adequadamente lavadas em água potável (podem também ser deixadas de molho em água contendo 2 gotas de hipoclorito por litro, durante meia hora). Outros alimentos, comer de preferência bem cozidos ou assados. Conservas devem ser vistas com cautela. Palmito em conserva caseira tem causado graves intoxicações pela toxina botulínica (botulismo), o que frequentemente é fatal. Leite nunca deve ser bebido in natura, mas previamente fervido. Como regra geral, todo alimento que não tiver o selo de inspeção e liberação do órgão sanitário é suspeito. Por outro lado, mesmo no caso de alguns alimentos industrializados é preciso tomar alguma cautela. A embalagem pode ter sido contaminada durante o armazenamento ou transporte do produto. Saquinhos de leite devem ser lavados antes de abertos, da mesma forma refrigerantes e outra bebidas em lata. Já foi descrito caso de leptospirose possivelmente adquirida com lata de refrigerante onde ratos urinaram durante o armazenamento. Cuidado também deve ser tomado com o caldo de cana, principalmente se a cana não é lavada e adequadamente descascada antes de moída, já tendo sido relatado surto de doença de Chagas, adquirida por via digestiva, pelo fato de que barbeiros haviam defecado sobre canas armazenadas.

 

Acidentes por animais peçonhentos

 

Lacraias

Os acidentes são raros, mais relacionados com o trabalho doméstico, quando algum objeto onde estava o animal é pego inadvertidamente. É mais comum um acometimento apenas local com eritema, edema, dor local ou irradiada, hemorragia local discreta, que pode evoluir para necrose superficial. Eventualmente cefaléia, vômitos, ansiedade, tonturas. O tratamento consiste em analgésicos e bloqueio anestésico local ou no tronco nervoso.

 

Escorpiões

Há centenas de espécies, mas apenas as do gênero Tityus têm importância médica, sendo mais graves os causados pelo escorpião amarelo, Tityus serrulatus. Os acidentes são relatados em todas as regiões do Brasil. No Sudeste os acidentes são mais frequentes na primavera. No Estado de São Paulo apenas duas espécies são responsáveis pelos acidentes de importância médica (T. serrulatus e T. bahiensis). São noturnos, ficando durante o dia escondidos sob cascas de arvores, pedras, troncos podres, folhas no chão, madeiras empilhadas, junto a domicílios e onde o lixo doméstico fornece alimento fácil. Nos adultos ofendidos, geralmente os sintomas (quadro leve) são apenas forte dor local irradiada, com edema e sudorese local. Sinais e sintomas de acometimento mais grave (quadro moderado) envolvem, além da dor local, manifestações sistêmicas como sudorese, náuseas, vômitos (quando profusos prenunciam gravidade), agitação, sialorréia e manifestações cardio-respiratórias. O quadro grave se caracteriza também por uma ou mais das seguintes manifestações: bradicardia, insuficiência cardíaca, edema pulmonar, choque, convulsões e coma. Crianças e idosos podem evoluir para as formas mais graves com muito mais frequência. Pela impossibilidade de se prever a evolução de cada caso, o melhor a fazer é encaminhar o acidentado a um serviço médico que disponha de soro anti-escorpiônico. Os casos moderados e graves e crianças e idosos de modo geral deverão receber este tratamento. T. serrulatus ocorre na BA, ES, RJ, MG, SP, PR e GO. T. bahiensis ocorre em SP, MT, MS, PR, SC e RS. T. stigmurus ocorre na BA, SE, AL, PE, PB, CE, PI e RS. T. cambridgei ocorre na região amazônica.


Tityus serrulatus - escorpião amarelo


Tityus bahiensis - escorpião marrom - Yuri F. Messas (com a cortesia do Centro de Animais Peçonhentos Renê D'Ávila, Itu, SP)

Aranhas

 

São de importância médica os gêneros Phoneutria (armadeira), Loxosceles (aranha-marrom) e Latrodectus (viúva-negra). Os acidentes com Loxosceles e Latrodectus podem ter complicações sérias, entre outras, insuficiência renal e choque, respectivamente. Desta forma, estes acidentes sempre indicam o tratamento soroterápico. Já os acidentes com a armadeira, que são os mais comuns, geralmente causam apenas forte dor local. Aranhas que fazem teias geométricas (circulares, triangulares, etc) não oferecem riscos à saúde humana, causando apenas dor local.

 

Armadeira

 

Ocorre em praticamente todo o Brasil. Atinge 3 a 4 cm de corpo e até 15 cm de envergadura de pernas.

Os acidentes com a armadeira ocorrem geralmente quando as pessoas manipulam cachos de banana (por isto chamada pelos americanos de "banana spider") ou dentro de casa, ao vestir roupas e calçados. Ela é ativa à noite, ficando durante o dia escondida em locais escuros. Não faz teia. Quando surpreendida, não foge, colocando-se em posição de ataque, apoiando-se nas pernas traseiras e erguendo as dianteiras, armando-se para picar, daí o nome armadeira. 90% dos casos de picadas apresentam apenas forte dor local com edema no local da picada. Em outros 9% dos casos, ditos moderados, há também taquicardia, hipertensão arterial, sudorese, agitação, visão turva, vômitos ocasionais, priaprismo e sialorréia. Os casos graves, que felizmente ocorrem em apenas 1% dos acidentes e praticamente restritos a crianças apresentam, além das citadas, diversas outras manifestações graves, que podem incluir convulsões, edema pulmonar, coma e choque. Nos casos moderados e graves está indicado o tratamento soroterápico. Desta forma é recomendável que todos os acidentados sejam encaminhados a serviço de saúde que disponha deste recurso. Enquanto se aguarda o atendimento especializado, pode-se combater a dor local com analgésicos vial oral (dipirona) ou infiltração de anestésico (lidocaína a 2% sem vasoconstritor) no local da picada ou tronco nervoso.

 

 

 

 

Phoneutria sp - armadeira - Yuri F. Messas

 

 

 

Aranha-marrom

 

Pode atingir 1 cm de corpo e 3 cm de envergadura de pernas. Ocorre em todo o Brasil, mas os acidentes são mais comuns nos estados da região sul.

 

A aranha-marrom é ativa à noite e de dia esconde-se sob-cascas de árvores, folhas secas de palmeiras e também nas casas, atrás de quadros e móveis, nos cantos das paredes, sótãos, garagens, etc. Faz uma teia irregular. É muito pouco agressiva, mas como pode também esconder-se em roupas, pica quando a pessoa se veste, espremendo-a contra o corpo. Em torno de 70 a 97% dos casos ocorre de imediato apenas edema e eritema no local da picada, ao que geralmente não é dada importância pelo ofendido. A dor local vai se intensificando lentamente, nas primeiras 12 a 36 horas. Posteriormente ocorrem áreas avermelhadas e hemorrágicas, mescladas com áreas de isquemia (aspecto marmóreo) e também febre e exantema, quando geralmente é feito o diagnóstico. No local podem surgir bolhas e necrose. Os demais casos são da forma cutâneo-visceral, que podem evoluir nas primeiras 24 horas com hemólise intravascular e insuficiência renal, de extrema gravidade. O tratamento de escolha é a administração do soro antiloxoscélico ou antiaracnídico. Pesquisas recentes mostraram que a lagartixa doméstica (Hemidactylus mabouia), é predadora da aranha-marrom, desta forma deve ser protegida e tolerada mesmo dentro de casas.

 

 

 

Loxosceles sp. - aranha-marrom - Yuri F. Messas

 

Os acidentes com a viúva-negra são extremamente raros, mas já foram relatados no litoral nordestino, principalmente na BA e também no RJ, SP e RS. Apenas as fêmeas causam acidentes. Geralmente são aranhas de cor preta intensa, sem pêlos evidentes, com abdome bem arredondado. No ventre podem ter uma mancha vermelha, em forma de ampulheta. Algumas espécies têm cor marrom. É ativa durante o dia e vivem em casas da zona rural, plantações, "salsa da praia", etc. Faz uma teia irregular na vegetação. Os acidentes se dão de forma semelhante aos da aranha-marrom (roupa pessoal, camas) e também em colheitas no campo. Há dor intensa e imediata, acompanhada também de "íngua". Seguem-se contraturas musculares e outros agravamentos, que podem levar ao choque. O tratamento indicado é o uso do soro antilatrodéctico.

 

A aranha-de-grama ou tarântula, do gênero Lycosa, pica ao ser pisada em gramados ou quando impossibilitada de fuga. É comum em gramados, pastos, junto a piscinas e jardins. Desta forma estas picadas podem ser frequentes, porém destituídas de importância médico-sanitária.



Lycosa sp. - Aranha-de-grama -Yuri F. Messas

 

As caranguejeiras, a despeito de seu aspecto assustador, causam com sua picada apenas dor local discreta. Mais importante é a dermatite pruriginosa causada pela ação irritante dos pelos situados no dorso do abdômen, que ela desprende quando se sente ameaçada ou é manipulada.



Caranguejeira - Yuri F. Messas

Abelhas e vespas

 

Pertencem a esta ordem os únicos insetos que possuem ferrões verdadeiros, com duas famílias de importância médica: Apidae (abelhas e mamangavas) e Vespidae (vespas e marimbondos). Há dois fatores agravantes nos acidentes com estes insetos: o número de picadas e hipersensibilidade do ofendido (alergia). As abelhas peçonhentas encontradas no Brasil são a exótica Apis mellifera (européia: A. m. mellifera, a italiana: A. m. ligusta e a africana: A. m. escutellata) e a nativa mamangava, Melipona anthidioides. Após picarem, deixam na vítima o ferrão com a glândula de veneno, motivo pelo qual sua retirada deve ser feita por raspagem com lâmina (faca cega) e não pelo pinçamento de cada um deles, já que a compressão da glândula ajuda a inocular o veneno. Picadas de abelhas podem sensibilizar o organismo, com exacerbação da resposta a picadas subsequentes. O efeito mais comum é a dor local no local da ferroada, que tende a desaparecer espontaneamente em alguns minutos, deixando vermelhidão, prurido e edema por várias horas ou dias. Pode seguir-se uma induração local, que aumenta de tamanho nas primeiras 24-48 horas, podendo até limitar a mobilidade de um membro afetado. Manifestações graves envolvem anafilaxia, edema de laringe, hipotensão, até colapso vascular total, arritmias cardíacas, insuficiência respiratória e insuficiência renal aguda. Podem também ocorrer reações alérgicas tardias, vários dias após a(s) picada(s), com artralgias, febre e encefalite, quadro semelhante à doença do soro. Picadas múltiplas ou mesmo uma só picada em pessoa alérgica constitui emergência médica e o ofendido deve ser encaminhado com urgência a um pronto socorro para receber medidas de suporte, já que não existe um antídoto específico contra o veneno de abelhas. Os acidentes com abelhas tornaram-se mais frequentes no Brasil após a introdução no país de rainhas puras de abelhas africanas. Sua hidridação acidental com as européias já existentes aqui anteriormente resultou no aparecimento das abelhas africanizadas.

As vespas ou marimbondos, ao contrário das abelhas, não deixam o ferrão no local da picada. As manifestações clínicas são muito semelhantes aos das picadas de abelhas, desta forma o tratamento é igual.

 

Formigas

 

Na Amazônia e Brasil Central ocorre a tocandira, Paraponera clavata, de 22 mm, e que faz ninho subterrâneo onde se alojam até 500 formigas. Também pode ser encontrada sobre árvores. É muito agressiva e sua picada causa dor profunda, que se intensifica com as horas, ocasionando também calafrios e às vezes vômitos. Os sintomas se prolongam por mais de um dia. As formigas conhecidas como formiga-de-fogo ou formiga-lava-pé, do gênero Solenopsis, picam causando comichão e ardor e em pessoas sensíveis em cada lugar de picada desenvolve-se uma pústula. Com picadas como as da lava-pés são as formigas-de-correição, do gênero Eciton, como a Eciton praedator. As formigas-de-embaúba, do gênero Azteca, também ferroam.

 

Lepidópteros

 

O lepidopterismo é o acidente causado pelo contato com larvas (erucismo), casulos ou adultos (mariposa) de lepidópteros. Em nosso meio ocorrem três forma de lepidopterismo: a) dermatite vésico-urticante por contato com larvas urticantes (taturana) ou certas tóxicas da mariposa Hylesia sp; b) periartrite falangeana por pararama e c) síndrome hemorrágica por Lonomia. As taturanas (termo indígena que significa "semelhante ao fogo") ou lagartas-de-fogo, são larvas de lepidópteros, que dispõem em suas cerdas de peçonha que ao contato com a pele causam dor intensa, com prurido e eritema locais e "íngua". A lesão evolui com vesículas, edema e eventualmente bolhas, quadro que pode persistir por até 10 dias. Necrose local é rara. O tratamento consiste apenas em tratamento local com anestésico, corticóides tópicos, analgésicos. Uma compressa de água fria pode aliviar os sintomas.

As fêmeas adultas do gênero Hylesia têm na porção distal do abdomen cerdas microscópicas que se desprendem e, atingindo a pele, causam um eritema pruriginoso que evolui para reação micropapular que pode chegar à formação de vesículas e exulcerações. Obviamente as lesões só ocorrem nas áreas descobertas do corpo e duram de uma a duas semanas. O tratamento pode ser feito com anti-histamínicos via oral ou parenteral (para o prurido), compressa fria local, e pomadas de corticosteróides. Atraídas pela luz e em revoadas, invadem os domicílios facilitando o contato.

Nos seringais cultivados no Pará, a larva da mariposa pararama, Premolis semirufa, dotadas de cerdas injuriantes, atinge os trabalhadores destes seringais, causando lesões crônicas que comprometem as articulações falangeanas, agravo conhecido como doença dos seringais ou reumatismo dos seringueiros ou ainda pararamose. O contato causa queimação, como nas demais espécies de lagarta. Exposições mais prolongadas podem levar à artrite crônica deformante.

A Lonomia é uma mariposa da família Saturniidae cuja lagarta é venenosa. Habita principalmente as matas, gostando de lugares úmidos e sombrios. Alojam-se nas árvores. A fêmea da mariposa é de cor cinza escuro e o macho amarelo alaranjado, ambas com uma lista transversal sobre as asas.

 




Casal de Lonomia copulando. Roberto Moraes - Instituto Butantan




Lonomia obliqua - Yuri F. Messas


As lagartas atingem até 7 cm, são gregárias, ficando agrupadas durante o dia nos troncos de árvores. Têm cor marrom esverdeada e espinhos ramificados em forma de árvore de natal, de cor verde. Um carater distintivo é uma mancha branca em forma de "U" no dorso. Gostam de sombra e umidade, sendo por isto seu hábitat natural a mata. Podem invadir quintais de casas.

O envenenamento se dá pelo contato com a lagarta. O veneno age destruindo o fibrinogênio, tendo assim grande poder hemorrágico. O quadro clínico varia de acordo com a quantidade de veneno inoculada. Vai desde quadros leves com ardor intenso e edema locais, passando por hemorragias pequenas nas mucosas ou em cicatrizes, sem alterações hemodinâmicas até os casos graves, com hemorragias digestivas, renais, pulmonares e do sistema nervoso central. Pode haver acometimento dos rins levando a insuficiência renal. Os sintomas se manifestam de 1 a 12 horas após o contato.

Este agravo começou a ser melhor conhecido no Brasil apenas em 1983, quando ocorreram casos no Amapá e no Pará. Mais recentemente ganhou notoriedade com o registro de casos nos estados do RS, SC, PR e SP, com maior concentração nos dois primeiros. Nesta região a espécie implicada é a Lonomia obliqua, que parasita árvores silvestres como o araticum, cedro, figueira-do-mato, ipê, aroeira, tapiá (Alchornea) e também espécies exóticas como o pessegueiro, abacateiro, ameixeira, nespeira, pereira e outras frutíferas de pomar. O Instituto Butantan produz o soro antilonômico, específico para estes acidentes. Os acidentados devem fazer repouso absoluto para evitar traumas que possam levar a sangramentos e serem levados com urgência para receberem atenção médica especializada.

Coleópteros

 

Um fenômeno conhecido pelos chineses há mais de 1.200 anos, mas apenas no século passado registrado na medicina ocidental é o pederismo, resultante do contato da pele com substâncias tóxicas de efeito cáustico, liberadas pelo besouro do gênero Paederus (Coleoptera, Staphylinidae). Há mais de 600 espécies deste gênero em todo o mundo, em torno de 50 sul-americanas. São conhecidos popularmente como potó, trepa-moleque, péla-égua, fogo-selvagem. Podem ocorrer surtos, pois estes insetos são atraídos pela luz, favorecendo o contato com as pessoas. O quadro vai desde um discreto eritema, iniciado 24 horas após o contato e que persiste por 48 horas, passando por quadros com vesículas que secam após uns 8 dias e esfoliam, deixando manchas pigmentadas que duram até mais de um mês, até casos severos, geralmente decorrentes de vários contatos com o inseto, apresentado também febre, dor local, artralgia e vômitos. O eritema pode durar meses. As palmas das mãos e plantas dos pés parecem poupadas. Em caso de contato inadevertido, lavar imediatamente as mãos.

 

Serpentes

 

É bom lembrar que o fato de estarmos calçados com botas de cano longo não previne totalmente um acidente ofídico. Serpentes podem estar sobre troncos de árvores ou sobre ramagens, a diversas alturas do chão. Os acidentes ofídicos ocorrem em todas as regiões e estados brasileiros. Quatro gêneros de serpentes têm importância médica: Bothrops (jararacas), Crotalus (cascavel), Lachesis (surucucu) e Micrurus (corais), compreendendo cerca de 60 espécies. Há uma série de características distintivas entre as serpentes peçonhentas e as não peçonhentas, porém estas características nem sempre serão aplicáveis no campo ou a todos os gêneros. Portanto, diante de qualquer picada de serpente a conduta mais prudente será matá-la e levá-la junto com o acidentado ao pronto socorro mais próximo. As serpentes não venenosas dificilmente causam mordeduras.

 

 

 

 

Cascavel - Yuri F. Messas

 

 

 

 

 

 

Uma característica evidente de grande número de serpentes peçonhentas é a presença de presas inoculadoras de veneno localizadas na região anterior do maxilar superior. Entretanto nas corais estas presas são fixas e pequenas, podendo passar despercebidas. Nunca confie, a não ser que se trate de um especialista, se alguém disser que determinada coral não é venenosa. Considere todas potencialmente perigosas. A presença da fosseta loreal, um orifício entre o olho e a narina da serpente, também é uma característica própria de serpentes peçonhentas, mas que também falta nas corais. A presença do chocalho na ponta da cauda identifica imediatamente a cascavel, única que tem esta característica.

Os acidentes ofídicos são de forma geral mais comuns no período de setembro a março. No Brasil como um todo, 75% dos acidentes são causados por jararacas, 7% pela cascavel, 1,5% pela surucucu e 0,5% por corais. 3% dos acidentes, neste caso simplesmente mordidas, são causadas por serpentes não peçonhentas.

70% dos acidentes ofídicos atingem o pé ou perna e 13% a mão e antebraço. Isto mostra que o uso de botas e evitar colocar a mão em local onde pode haver serpentes, já previne um grande número de acidentes.

O único tratamento realmente efetivo nos casos de acidentes ofídicos é o uso de sôro anti-ofídico. Quando se conhece a serpente causadora do acidente é utilizado o sôro específico para o gênero em questão, já que o veneno das diversas espécies de cada gênero é o mesmo. Por isto é importante levar a serpente morta ao local de atendimento. Diante de qualquer acidente ofídico em que a possibilidade de ser serpente peçonhenta não possa ser afastada com certeza, o acidentado deve ser levado o mais rápido possível a um serviço de saúde que preste o atendimento a este tipo de agravo. Não se deve aguardar surgimento de sintomas para fazer isto. O acidentado deve fazer o mínimo de esforço possível (a aceleração da circulação facilita a disseminação do veneno). Com o mesmo objetivo deve-se manter o membro afetado abaixo do nível do coração. Procurar manter-se calmo. Retirar anéis, roupas restritivas, calçados, etc, antes do aparecimento de edema. Beberagens diversas e aplicação de materiais diversos sobre o local da picada, de conhecimento popular, não têm comprovação científica de serem úteis. Cortar o local da picada para forçar a saída do veneno pode piorar a situação. Nos acidentes por jararacas (os mais comuns) há manifestações no local da picada e estes cortes agravam as lesões. Torniquetes também não são recomendados de modo geral. Nos acidentes botrópicos os torniquetes pode acelerar as lesões locais, exatamente por não permitir a circulação do veneno. A retirada súbita do torniquete libera uma quantidade grande de veneno podendo causar hipotensão. Apesar de não haver estudos com elapídeos no Brasil, é aceitável usar uma faixa constritora nos acidentes por coral, quando o tempo de remoção for excessivamente longo. Também chupar o local da picada não traz benefício, podendo favorecer a absorção do veneno.

O ideal é toda vez que for a campo, informar-se previamente sobre o local mais próximo que presta atendimento anti-ofídico. A Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, por meio do Centro de Vigilância Epidemiológica, divulga periodicamente uma lista dos chamados Pontos Estratégicos que são as instituições de saúde de todo o estado que estão aptas a fazerem este atendimento. No Estado de São Paulo a referência técnica para o atendimento de casos de acidentes por animais peçonhentes é o Hospital Vital Brazil, localizado no Instituto Butantan.

 

Carrapatos

 

Além de poderem transmitir doenças, os carrapatos e suas larvas causam grande incômodo. A primeira fase larvária dos carrapatos, a dos chamados micuins, é a que mais causa problemas pois, por serem muitos pequenos, são vistos com mais dificuldade e desta forma muitas vezes é difícil sua eliminação mecânica. Essas formas são mais frequentes na época de inverno. Atenção redobrada deve ser tomada nos pastos e lugares onde existam grande mamíferos, como gado, cavalos, capivaras, antas, pois esses favorecem a proliferação dos carrapatos. Os carrapatos ficam em pequenos arbustos e capins altos, quando o animal passa e esbarra nessa plantas os carrapatos passam para ele. Uma vez aderidos à roupa, tendem a subir por ela, em direção à cabeça.

 

Micuns em uma folha de capim, esperando o contato com algum animal. Foto: Emerson Kaseker.

Como prevenir a infestação:

 

1. Evitar assentar-se ou deitar-se no chão onde haja risco de ter carrapatos.

2. Vestimenta: a roupa já pode funcionar como uma barreira. Roupas claras facilitam a visualização de carrapatos sobre ela. Colocar as barras das calças dentro da bota, dobrando-a também por sobre a borda da bota, dificultando assim a entrada de carrapatos nesse ponto. Usar camisa de manga comprida, colocando-a para dentro da calça, protegendo desta forma a região da barriga. Algumas larvas, como as de uma espécie que ataca as antas, são muito agressivas também ao homem, conseguindo ultrapassar as tramas do tecido. O uso de botas de borracha de cano longo, frequentemente usadas por observadores de aves também protegem bem as pernas. Não reutilizar a roupa antes de lavar ou pesquisar atentamente para a presença de carrapatos.

3. Logo que chegar da atividade de campo verifique bem se há carrapatos nas roupas ou nas partes mais vulneráveis do corpo. Em geral a transmissão de doenças pelos carrapatos só ocorre após 4 ou mais horas de aderência deles ao corpo. A retirada de carrapatos da roupa pode ser facilitada com o uso de uma fita adesiva. Vai-se colocando a face colante da fita sobre a roupa e os carrapatos vão se aderindo a ela.

4. Repelentes. Aplicar repelentes de insetos contendo DEET ou icaridina diretamente sobre as roupas e na pele exposta. Não use diretamente sobre a face, aplique nas mãos e com essas passe sobre a face, evitando assim que o repelente atinja os olhos, boca a mucosa nasal. Não se esqueça de lavar as partes do corpo que foram expostas ao repelente tão logo retorne para casa ou base. Pode utilizar repelentes à base de permetrina sobre as roupas (especialmente nas pernas das calças, botas, região da cintura), mas nunca na pele. Sua aplicação por spray deve ser feita em ambiente aberto, para evitar inalá-lo. Siga as orientações da bula e use com muita cautela em crianças. Permetrina é virtualmente não tóxico para o ser humano e nenhuma complicação sistêmica foi relatada. Da mesma forma são incomuns reações alérgicas ou irritação da pele. Não funciona bem como repelente para ser aplicado diretamente sobre a pele, pois é rapidamente desativado por substâncias ali presentes.

 

Após a infestação:

Após infestado, deve-se proceder à retirada mecânica dos carrapatos e suas larvas, um a um, o que pode ser feito utilizando-se uma pinça, pegando-o próximo da cabeça. É necessário puxar o animal com pequenas torções e um golpe firme, evitando deixar os dentes do carrapato presos ao corpo, o que pode gerar um processo inflamatório doloroso e infecção local. Não tentar retirar com as mãos desprotegidas, pois as secreções do carrapato podem transmitir doenças. Caso tenha que fazer isto com a mão, proteja os dedos de alguma forma com um pedaço de pano ou guardanapo de papel. Também não tente queimá-lo ou usar qualquer produto químico.

Um banho com bucha também pode ajudar a retirar muitos deles. Também é recomendada a aplicação de algum produto repelente para esses animais, que os fará soltarem da pele. Entre esses, recomenda-se álcool puro, vinagre, mistura de álcool com fumo (um pacote de fumo desfiado em um litro de álcool, deixando-se repousar por alguns dias), sabonete com enxofre, medicamentos usados para tratamento de escabiose ou pediculose (à base de benzoato de benzila, permetrina ou lindano). Foi inventado um pequeno artefato chamado de “Tick remover”, destinado a retirar os carrapatos (vide abaixo). Funciona como o retirador de pregos do martelo. Ele é enfiado por baixo do carrapato e depois pressionado para cima, fazendo o carrapato se soltar.

Tick Remover. Fonte: www.tickinfo.com

O prurido e outros efeitos locais das picadas pode ser aliviado com o uso de pomadas antialérgicas ou antialérgicos por via oral, como a dexclorfeniramina.

 

Medidas gerais de prevenção

 

Deixe sapatos e botas cobertos para evitar a entrada de insetos. Bata as botas bem pela manhã, para ver se não tem nada dentro antes de calça-las.

 

Deixar as roupas dobradas e em lugar alto. Sacudi-las bem antes de vesti-las e mesmo vira-las ao avesso.

Nunca deixar malas e mochilas abertas. Inspecionar bem a bagagem antes de levá-la para o carro.

Quando se afastar do carro no campo deixá-lo bem fechado.

 

Em acampamentos dormir sempre em barracas completamente vedadas contra insetos.

 

Nunca ponha as mãos em qualquer lugar onde haja risco de ter animais peçonhentos. Use varas ou outro objetos se necessário. No caso e coletar ninhos abandonados, coloque-os dentro de sacos plásticos com inseticida para não correr o risco de levar artrópodes peçonhentos junto com a bagagem.

 

Caso tenha que manipular objetos ou lugares onde pode haver artrópodes peçonhentos, use luva de raspa de couro.

Tenha o hábito de sair a campo sempre de bota de cano longo.

 

Ao andar em meio a vegetação densa, olhe bem antes nas ramagens, já que algumas cobras como jararacas podem subir nestas ramagens.

 

Em alojamentos nas zonas rurais, olhar bem debaixo das camas, frestas, etc, onde pode haver animais escondidos. Vedar bem as soleiras das portas, frestas de janelas, etc. Uso se inseticidas não é aconselhável, devido a sua pequena eficácia nestes animais.

 

Se tiver que entrar em habitações abandonadas, fazê-lo com toda cautela, pois podem ser esconderijos de diversos animais peçonhentos.

 

Em áreas onde há risco de barbeiros, dormir dentro da barraca, mesmo dentro do alojamento.

Se for colher bananas, principamente em regiões da mata atlântica, faça-o com total cuidado, pois junto ao cacho pode estar a aranha-armadeira.

 

Procure conhecer bem os animais peçonhentos, pois sua correta identificação no campo poderá orientar nas decisões a serem tomadas em casos de acidentes.

 

Caso tenha que ter um contato direto com árvores ou subir nelas, inspecione-as primeiro, à procura de lagartas ou sinais de sua presença, como folhas roídas na copa e a suas fezes no solo, semelhantes a grãos dessecados de pimenta-do-reino. Caso seja indispensável subir em árvores à noite, usar camisas de manga compridas e luvas de raspa de couro.

Repelentes de mosquitos

Os repelentes de mosquitos indicados são os que têm em sua composição os produtos DEET ou icaridina (ou IR3535, indicado para crianças). O DEET deve ter concentração acima de 30% para que o efeito tenha uma boa duração. Mulheres grávidas devem usar repelentes com cautela, verificar com o médico pré-natalista.

 

Vitamina B12 ingerida tem sido indicada também pois elimina-se pelo suor e tem efeito repelente. Seu uso deve ser feito com orientação médica. O efeito é discreto, comparado com os repelentes preferenciais.

 

Um preparado caseiro feito com cravo (por exemplo: 50 g de cravo em 1 l de álcool + 50 ml de óleo de amêndoa) tem efeito repelente, porém bastante fugaz. O mesmo acontece com repelentes à base de citronela.

  

    

Acidentes

 

Se os acidentes podem nos surpreender em nossa própria casa que tão bem conhecemos e onde temos o poder de manter as coisas sob nosso controle, o que dizer de um ambiente natural desconhecido percorrido pela primeira vez?

Quando as observações são feitas em lugares acidentados deve-se redobrar os cuidados. O estudo de aves marinhas em penhascos é um exemplo de uma situação perigosa. O ornitólogo Elias Pacheco Coelho foi fatalmente vitimado numa destas situações.

 

Um evento raro é ser atingido por raios. Em campos abertos recomenda-se não procurar abrigo da chuva debaixo de árvores, já que estas atraem os raios. Sentar-se no meio do campo e esperar é o melhor a fazer. Os carros constituem uma proteção, não porque estejam isolados pelos pneus como se pensa, mas porque sua estrutura metálica cria uma espécie de gaiola elétrica que o raio percorre, sem atingir seus ocupantes. Os raios não caem apenas onde está chovendo, podendo também cair a boa distância destes locais.

 

Em áreas onde existe gado é necessário algum cuidado. Vacas com bezerros novos podem estar agressivas. O melhor a fazer é indagar dos proprietários ou pessoas do campo sobre eventuais riscos de andar pelos pastos. Em caso de dúvida manter sempre distância e ir beirando cercas que podem ser transpostas rapidamente em caso de necessidade ou vegetação densa onde se possa esconder. Bezerros crescidos costumam ajuntar-se e caminhar ou mesmo correr em direção a estranhos, desviando seu curso a alguma distância, o que pode causar grande susto em pessoas que desconhecem este comportamento.

 

Agressões por aves são extremamente raras. Talvez a situação mais dramática seja o relato de um bebê indígena levado por uma águia real, Harpia harpyja. Em estudos de campo a única situação que pode oferecer riscos é quando o pesquisador aproxima-se muito de ninhos de falconiformes.

 

 

Bibliografia

 

Brasil. Ministério da Saúde. (1992) Manual de diagnóstico e tratamento de acidentes por animais peçonhentos. Brasília: Imprensa Nacional. (Fundação Nacional de Saúde).

Brasil. Ministério da Saúde. (1996) Manual de dengue. Vigilância epidemiológica e atenção ao doente. Brasília: DEOPE. (Fundação Nacional de Saúde)

Brasil. Ministério da Saúde. (2005) Guia de vigilância epidemiológica. Brasília: Fundação Nacional de Saúde.

Brasil. Ministério da Saúde. (1999) Manual de vigilância epidemiológica de febre amarela. Brasília: Fundação Nacional de Saúde.

Knysak, I., Martins, R., Bertim, C. R. & Wen, F. H. (1994) Lacrais de importância médica no Estado de São Paulo. Biologia e Aspectos Epidemiológicos. São Paulo: Centro de Vigilância Epidemiológica. (Documento Técnico, Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo)

Prado, F. C., Ramos, J. & Ribeiro do Valle, J. (Ed.) (2001) Atualização terapêutica. São Paulo: Editora Artes Médicas.

São Paulo. Secretaria de Estado da Saúde. (1993) Acidentes por animais peçonhentos. Identificação, diagnóstico e tratamento. São Paulo: Centro de Vigilância Epidemiológica. (Manual de Vigilância Epidemiológica)

São Paulo. Secretaria de Estado da Saúde. (1999) Profilaxia da raiva humana. São Paulo: Impressa Oficial do Estado de São Paulo. (Manual Técnico do Instituto Pasteur Nº 4).

 

Outras informações sobre o tema:

 

Centro de Vigilância Epidemiológica – CVE – São Paulo, SP

Instituto Adolfo Lutz

Instituto Butantan

Hospital Vital Brazil, São Paulo, SP

Instituto Pasteur – São Paulo, SP

Fundação Oswaldo Cruz – Rio de Janeiro

FUNASA - Fundação Nacional de Saúde - Ministério da Saúde

Centers for Disease Control and Prevention – CDC – Estados Unidos

Cives - Centro de Informação em Saúde Para Viajantes

 

Texto sob a responsabilidade técnica do Dr. Luiz Fernando de Andrade Figueiredo (CRM 35046)